segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Aparencia

Ela era a beleza escrachada do alternativo mais comum possível. Ele os sentimentos a flor da pele, da sensibilidade mais primitiva. O Outro a indiferença, aquele que não se notaria se não fosse notória sua vontade de se fingir escondido.
São muitas as situações que nos mostram que “oposto” é quase sinônimo de “a mesma coisa”. Esses três eram assim, se encontravam regularmente e chamavam-se de amigos. A desculpa eram ser únicos no mundo, como todo grupo de amigos é.
- Como foi em Paris Ela?
- Paris é bela! Suas luzes, suas roupas, seus perfumes... As pessoas são um pouco feias e algumas ruas cheiram mal, mas meus olhos não paravam de se encantar.
- Como sempre se encantam mais não sentem, não é mesmo?
- Ele, pare com isso, eu tenho sentimentos sim! Só não vejo porque me importar com eles quando há tanta coisa para ver!
- Existem coisas para ver dentro de você também Ela. Existem pessoas feias e pessoas belas, existem odores que nem se enquadrariam em definições como “bons” e “ruins”, que estão além destas. Ah se seus olhos conhecessem as lagrimas sem
- Eles as conhecem! Não por pouco eu choro é verdade, mas lembra quando eu perdi meu emprego e não pude ir ao Egito? Eu chorei e foi você quem me
- Quando seus olhos conhecerem as lagrimas sem razão... Essas vem de um pais diferente. De um país que recusa teu passaporte por você não aceitar a entrega. Foge de dentro indo para qualquer lugar que seja longe, foge, na verdade, de trás do espelho, do que só se pode ver de olhos fechados.
- Antes isso para mim, que me lamentar por nada, perder dias em uma cama olhando a parede e só pensando em nada. Antes eu só usar meus olhos para fora, do que distorcer toda realidade só para me caber dentro. Eu prefiro assim!
- É preciso ter dentro para existir fora.
- Sou eu uma mendiga sem casa então! Não sou tão narcisista assim para me dar essa importância. O fora me basta!
- Ela... Só você mesmo...
- Ele, Outro, eu tenho que ir. Amanha entrarei mais cedo...
- Mais dinheiro mais viagens, esse é teu lema!
- É claro! Boa noite pra vocês!
Ele deu um gole em sua vodka e trouxe de volta a mesa os olhos que acompanharam Ela até a saída. Olhou pra o Outro que, como sempre, preferia uma conversa a dois que a três, mas não dispensava a companhia de seus dois amigos.
- Outro, como ela pode ser assim?
- Assim como?
- A torre Eiffel para ela é um monte de metal iluminado, tão frio quanto ela. Prefere falar do asfalto da rua do que de sua saudade.
- A saudade é igual em todo lugar Ele! Mas o asfalto de Paris, os metais da torre e suas luzes são só de Paris!
- Eu não concordo Outro, veja bem. O mundo não é visto por meus olhos, são meus olhos que vêem o mundo. É através deles que exteriorizo a mim nas coisas tão cheias de outros olhos. Se estou contente, as luzes dos postes são estrelas ao alcance, me sinto tão grande que estou rodeado de universo. Se estou triste, até as estrelas são poluição. São companhia indesejada quando quero me perder na minha pequinesa! Existe a torre de metal frio, a mim importa o que faz, para cada um, que eles aqueçam!
- A beleza esquenta para ela. Ela é uma apaixonada por ela.
-Mas ela é como uma maquina fotográfica. Descreve com precisão pessoas e lugares, mas retira do discurso suas próprias impressões. Coisifica as coisas e só conta o que podemos ver.
- Ela coisifica, você sentimentaliza. Qual é a diferença afinal? Ela só se importa com os olhos, os delas e os dos outros, você só se importa com os sentimentos...
- Os olhos cegam! Tudo que eles vêem desmorona! Os prédios caem, as luzes apagam o corpo enruga e apodrece.
- O corpo enruga e apodrece! O cérebro falha, suas memórias, seus sentimentos, também serão esquecidos. Ela, com as primeiras rugas, fará inúmeras plásticas ate ficar pior que uma boneca sem expressão. Você, quando começar a esquecer, talvez agarre a memória que mais lhe agrade, e nem perceba que já a contou inúmeras vezes quando a estiver contando de novo, de novo e de novo. Não vejo porque um é mais importante, ou menos degradante que outro.
- E qual a saída pra você então? O que realmente importa?
- Não há saída.
- Então deveríamos simplesmente nada fazer? Simplesmente envelhecer sem olhar nem sentir?
- Não faz diferença...
- Faz sim. Pior que enrugar é estar seco, pior que esquecer é não ter o que lembrar. Você fechou os olhos e o coração. Pra quem não faz diferença estar vivo ou morto não há vida, nem beleza, nem sentido.
- Que eu esteja morto... É só uma antecipação do que inevitavelmente vai acontecer.
- É hora! Estou indo! Abraços...
- Abraços!

Ela chegou em casa, e antes de apagar a luz olhou os lençóis novos, e seu quarto impecavelmente organizado que lhe trazia conforto. Ele chegou em casa e sem mesmo acender a luz se cobriu sentindo o macio de seu cobertor e o cheiro de sua cama que lhe trazia conforto. O Outro nem se lembra se acendeu a luz, pouco importa se dormiu na cama ou na sala, dormiu no “tanto faz” que lhe trazia conforto.
Embora sejam diferentes um belo sorriso, um intrigante e um indiferente, os três existem acomodados em uma vida comum, estereotipados de fabrica. Reflexos de pessoas que não possuem coragem para sair do quadrado em que foram colocados quando não tinham capacidade de ousar ser alguém. Os três continuariam amigos. Rugas, falhas de memória e nada viriam. Morreriam felizes por serem únicos. Contentes por serem diferentes tão iguais a todos os outros. Quantos Elas, Eles e Outros não conhecemos? Quantas vezes não somos um deles? Diferença, é só aparência nos dias de hoje.

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. . . Leanndru

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